terça-feira, 28 de junho de 2011

Netnografia e Comunidades de Práticas

As tecnologias da informação e comunicação propiciaram novas formas de interação entre pessoas e lugares, a tal ponto de fomentar a criação de uma cultura da diversidade, resultado das trocas constantes entre indivíduos que jamais imaginaram se relacionar. Este campo de possibilidades deu origem a um novo espaço antropológico marcado pelo fluxo incessante de informação capazes de modificar as relações sociais entre indivíduos de uma mesma comunidade ou de comunidades distintas.

Nesse contexto, se faz necessário a reconstrução do arcabouço metodológico dentro da pesquisa social, para dar conta do mapeamento e da análise das inúmeras possibilidades que emergem dentro do campo da cibercultura. Nesse espaço de complexidade é fundamental adaptar técnicas, convergir métodos e fazer análises com mais de um instrumento, tendo em vista a hibridização dos fenômenos observados nas redes sociais.

Com a maximização das interações dentro da internet, propiciada pelo advento da WEB 2.0, os caminhos do investigador social dentro da pesquisa, é crucial para os resultados do estudo. Afinal, no campo da pesquisa qualitativa, os constructos teóricos e metodológicos iniciam-se com um visão de mundo do pesquisador, e este, modifica-se (atualiza) a todo momento. Sendo assim, a compreensão da realidade social do ciberespaço, vai mais além de sua descrição, tendo em vista que trata-se de um espaço dinâmico por natureza.

Dentro das comunidades de práticas virtuais, temos um exemplo teórico de etnografia virtual em um espaço de interações. As análises são feitas a partir das histórias e trajetórias dos membros que a compõe, dentro do vasto reportório de ações compartilhadas. A partir daí o que se observa são formas de participação e não-participação, caracterizando o status periférico ou central de seus membros. Nessa perspectivas as identidades são construídas pelas praticas ou pela ociosidade. Na verdade, trata-se de uma combinação constante de participação e não-participação. Assim, é natural que o pesquisador ocupe um lugar de individuo ativo dentro do grupo no intuito de perceber as várias nuances dentro da comunidade virtual. Isso não o impede de se afastar para poder observar o grupo de maneira mais passiva. A própria ideia da comunidade de prática virtual prevê essa possibilidade.

Segundo Wenger (1998), em comunidades de práticas, a negociação de significados é um processo complexo que leva tempo, pois o que define a comunidade de prática em uma dimensão temporal é a questão do compromisso e engajamento mútuo, a fim de que todos os membros compartilharem uma aprendizagem compartilhada e significativa.

A partir desta perspectiva, o referido autor afirma que as comunidades de prática podem ser pensadas como histórias de aprendizagem compartilhada. Nesse sentido, “história” não é uma questão meramente pessoal ou uma experiência coletiva, mas uma combinação de participação e reificação, dois modos de existência ao longo do tempo, que interagem mesmo localizados em dimensões diferentes. Para o autor, nossa experiência, nossa prática, está em constante movimento, sempre interagindo com outras práticas e experiências, sem se fundir a elas.

A participação representa a ação de tomar parte em alguma coisa, assim é na relação com outras pessoas, nas comunidades de prática, que esse processo se torna evidente. A participação é tanto pessoal quanto social e é concebida como um processo completo que combina as ações de fazer, falar, pensar, sentir e pertencer.

A reificação, por sua vez, é entendida como a conversão de algo em coisa, esse algo pode ser compreendido como idéia, faculdade, pensamento, etc., ou seja, é uma maneira geral para se referir ao processo de dar forma à experiência, produzindo objetos que moldam essa experiência em uma coisa concreta. Assim, esse termo abraça e amplia uma gama de processos que incluem fazer, desenhar, representar, nomear, codificar, descrever, perceber, interpretar, utilizar, reutilizar, decifrar e reestruturar. Logo, em todos esses casos, esses processos se solidificam em formas concretas de aspectos da experiência e da prática humana e, é isso que lhes dá a condição de objeto.

Com essas perspectivas, estamos conectados à nossas histórias por meio da forma como os artefatos são produzidos, preservados, resistidos ao tempo, reapropriados e modificados através dos anos, e também através de nossa experiência e participação, assim como nossas identidades são formadas, herdadas, rejeitadas, bloqueadas e transformadas pelo engajamento na prática de geração para geração. Wenger (1998) observa que as experiências adquiridas continuamente estão intimamente ligadas às práticas.

Nesse sentido, a aprendizagem não se processa em um contexto no qual simplesmente as pessoas devem aprender alguma coisa, mas sim estarem engajadas na prática. Assim, faz parte da aprendizagem este processo de engajamento, participação e desenvolvimento da prática. Neste contexto,

“[...] práticas são histórias de engajamento, negociação e desenvolvimento de repertórios compartilhados, então, aprendizagem na prática inclui seguir o processo da comunidade envolvida. Mas, é preciso tomar cuidado para não dizer que qualquer coisa que se faça é aprendizagem. A aprendizagem significativa abrange dimensões da prática como: envolvimento e formas mútuas de engajamento; entendimento; desenvolvimento de repertórios compartilhados, estilos e discursos. Isso é o que modifica nossa habilidade de engajamento na prática, de entendimento sobre o porquê fazemos parte dessa prática. Esse tipo de aprendizagem não é meramente um processo mental, mas tem a ver com o desenvolvimento de nossas práticas e de nossa habilidade para a negociação de significados. Assim, criamos maneiras de participação na prática no processo de contribuição para fazer dessa prática o que ela é”. (Wenger, 1998 p.94)

Assim, para o referido autor, prática é o compartilhamento de histórias de aprendizagem que requer uma compreensão para que ocorra engajamento. É um processo social e interativo, no qual as pessoas interagem, fazem coisas juntas, negociam novos significados e aprendem uns com os outros.



WENGER, E. (1998). Communities of practice: Learning, meaning, and identity. New York: Cambridge University Press.